quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Consumir não é tendência para o futuro

Com o estourar da crise mundial muitos velhos conceitos que já haviam sendo revistos ganharam destaque. Um deles é a questão do consumo.
Uma das obras mais importantes para se entender o capitalismo é O Capital de Karl Marx. Neste livro o autor fala sobre o lucro, o trabalho, a alienação e a exploração, mas Marx não escreve uma linha sequer sobre o consumidor. Este personagem contemporâneo não foi previsto pelo arauto socialista. O livro fala em “proletário” e em trabalhador, mas não versa sobre o principal “ator” da cultura do consumo. A era capitalista industrial já foi dividida em três períodos pelo menos: o da cultura de massa (séc.XIX até 1ª.metade do XX), o da abundância consumista ou american way of life (1950-1970) e o do hiperconsumo (1980 - dias de hoje). Nossa fase é conhecida como hiperconsumista. E não é pra menos: hoje compramos mesmo sem ter dinheiro. A farra dos cartões de crédito estão aí para comprovar isso. As altas taxas de juros e crédito fácil também. O governo, o comércio e as instituições querem que a gente gaste. Não importa se você está devendo na praça ou tem o nome sujo. Querem que a gente consuma.
Veja a evolução dos principais feitos de nossos últimos presidentes da república: Fernando Collor abriu a economia, Fernando Henrique Cardoso estabilizou a moeda e Luiz Inácio Lula da Silva liberou o crédito (pra rico, pra pobre e por último pra classe média). O que querem nossos governantes? Querem que a gente consuma, gaste dinheiro, compre. Ninguém quer que a gente poupe. Recentemente o Lula quis até taxar as cadernetas de poupança. Poupar vai se tornando um crime. Você tem é que consumir. Quebrou? A gente te salva. Não quer trabalhar? A gente te dá uma “bolsa pobreza”. Não tem automóvel? A gente reduz o IPI e te ajuda a comprar. Não tem casa-própria? A gente vai te ajudar nisso também. Isso é ruim? Claro que não. Acredito que antes que o consumo acabe a “justiça social” irá se estabelecer. Isso significa que nossas necessidades aos poucos serão satisfeitas. E tem que ser assim. Isso não é bondade dos governantes, pois uma sociedade satisfeita é uma sociedade controlada. Qualquer pajé de tribo sabe disso. Veja a função dele numa aldeia: não é mandar em um ou em outro! Sua função é contar histórias (agindo como o sumo-narrador de suas vidas, controlando seus medos e sonhos) e distribuir presentes (tomando um arco, uma flecha, um pote ou um pescado de quem tem de sobra e dando pra quem não tem) controlando a insatisfação e a revolta. Essa última ação é interessante para nossa reflexão. Voltaremos à ela daqui a pouco.
Miremos agora a lógica do hiperconsumo: ela é louca e podem ter certeza que ela dá ares de que está chegando ao fim. Veja um fato que já deve ter acontecido com muitos: quem já não recebeu um cartão de crédito em casa – via correios – e desbloqueou-o e começou a gastar? Você gastou até o limite e esperou a cobrança do boleto em casa. Ele chegou, mas por um motivo ou outro você se esqueceu de pagar. Aí a empresa de cartões enviou outro boleto cobrando juros absurdos, aumentando em muito o valor a ser pago. Você de raiva não pagou. No outro mês nova cobrança, mais absurda ainda. Você se arrepende de não ter pago a primeira vez. Vê agora que se você pagar essa conta não vai sobrar para o aluguel. No entanto no próximo mês a cobrança some. No outro mês você também não recebe nada até que, meses depois, chega uma outra cartinha da empresa de cartões propondo renegociar a dívida. Isso depois de ter mandado o seu nome para o cadastro dos inadimplentes. A carta diz que sua dívida inicial de R$ 400,00 e que em dois meses virou R$ 1.000,00 agora pode ser quitada por R$ 200,00. Que lógica doida é essa? A empresa de cartões manda seu nome para um cadastro de proteção ao crédito, mas não executa o executa judicialmente, já notou? Ela não faz isso porque sabe que está errada. Você foi induzido ao consumo, gastou e sofreu cobrança abusiva. Cabe até um processo contra a empresa por extorsão. Aí ao invés de pagar a dívida você terá de ser ressarcido por danos morais. Claro que a empresa não quer isso. Daí a proposta de renegociação camarada daquilo que deve. Os EUA estão quebrando por criarem um economia tão virtual e especulativa que nem lastro para cobrir as transações há. Fazem negócios com dinheiro que não existe. Dinheiro duplamente abstrato. Como valor a moeda já é uma abstração do produto. No hiperconsumismo a especulação é uma abstração das transações em dinheiro vivo. É uma abstração da abstração. A crise vem um choque de realidade mostrando que aquilo que não existe não deve ser computado.
E o hiperconsumo nos fez mais felizes? As marcas e grifes até quiseram anular a diferenciação entre sujeito e objeto, fazendo com que nos identificássemos e até nos confundíssemos com a mercadoria. A publicidade, a pretexto de humanizar o consumo, criou mitos para que acreditássemos que só seríamos seres humanos completos se tivéssemos tal e tal produto. Mas o fato é que as pessoas estão acordando da hipnose consumista. Isso não tem nada a ver com capitalismo e socialismo ou esquerda e direita. Tem a ver com uma nova ordem de coisas. Estamos migrando para uma economia nova, uma sociedade nova, com novas relações sociais e uma nova forma de organização. Não sabemos dizer como é nem como será ainda. Sabemos que é diferente e podemos sentir isso. A crise econômica mundial é a confluência desses problemas, dessa bolha, dessas inquietações. Ela é a transição para essa nova ordem. O filósofo Slavoj Zizek diz que a pirataria e a falsificação são a nova expressão da esquerda, pois elas socializam a posse dos produtos. O capitalismo até quis barrar a pirataria, mas hoje vemos que dentro dessa nova ordem a pirataria pode salvar nossa economia. Já pensou como seria o mundo sem os copiadores de CDs ou sem os downloads? Nossa tecnologia não teria avançado. Parte da culpa de hoje existirem produtos piratas é da própria indústria tecnológica. Então é retórica vazia e retrógrada bradar contra a pirataria e o download. Hoje um artista ou cantor não se faz famoso e consagrado vendendo milhões de cópias de discos e recebendo disco de ouro ou platina. O último grande ícone da velha indústria fonográfica (e também ultrapassada indústria da fama) foi Michael Jackson. Michael representou o fim de uma era. Sua morte e velório foram uma espécie de celebração de adeus a esse passado também. Os artistas e cantores atuais nem pensam mais em vender milhões de cópias. Outro dia mesmo eu estava num barzinho e ganhei (de graça) dois CDs de duplas sertanejas da minha região: Jorge e Matheus e Maria Cecília e Rodolfo. São cantores da nova geração e com posturas atualíssimas e hipermodernas. Os CDs eram simples, mas bem produzidos, com encarte acoplado à embalagem. E de graça!!! Assim esses cantores ficam conhecidos, suas músicas viram hits, suas imagens ganham projeção e está estabelecida a fama. Parabéns à esses artistas que enxergam longe. Já existem projeções dizendo que o futuro é de graça. Há um autor contemporâneo de nome Chris Andresson que publicou um livro chamado Grátis que diz exatamente isso, (Veja o blog de Fábio Prudente: http://fprudente.blogspot.com/2009/07/free.html ). Ele fala que nós vamos receber mais e mais coisas de graça no futuro. Lembra-se de que há uns anos atrás a gente comprava telefone fixo como investimento? Uma linha valia quase o mesmo preço que um terreno. Depois as operadoras passaram a cobrar tarifas. E essas tarifas são abusivas como as cobranças das empresas de cartões. Isso existe porque as operadoras com a Telefônica não vão existir no futuro. Essas empresas ou vão quebrar ou terão de mudar os rumos dos negócios. A internet 3.0 está aí e algumas maneiras de se comunicar vão sofrer alterações radicais. O telefone será gratuito. A internet ainda é cobrada, mas com o Wi-Fi conheço um monte de gente que já não paga nada por isso. As empresas de TV a cabo como a Net esperavam possuir mais de 1 milhão de assinantes em 4 anos de operação após surgirem na década de 90 e até hoje essa marca não foi atingida. Bem feito. Cobram caro por um serviço aquém do esperado. Você é obrigado a assistir propagandas idiotas e repetitivas da Polishop num canal que você paga justamente para não ter que ver essas porcarias. Vejam o caso das séries de TV como Lost. A revista Super-Interessante trousse uma matéria de capa há um ano atrás dizendo que “Lost inaugurou um novo modo de ver televisão” porque para acompanhar a série e entender seus mistérios você teria de acompanhar as discussões em chats e comunidades de relacionamentos na internet, ver vídeos complementares no Youtube e alugar os DVDs da série para pausar e retroceder em cenas onde o mapa da ilha aparecia. Só com a TV seria impossível acompanhar o desenrolar da trama. Eu assisto algumas séries de TV como The Mentalist e Lie to Me, mas não assisto pela televisão. O motivo? Passa num horário em que eu estou no meu trabalho (trabalho à noite), não há horários alternativos, na locadora de DVD ninguém ouviu falar do negócio e não sabem se vão comprar a série e nas lojas da Saraiva Megastore nem tem pra vender. Quando a primeiira temporada chega à lojas a série já está na quarta. Resultado? Faço download da série pela comunidade dos fãs do orkut. Sabe que faz as legendas dos episódios? A molecadinha de 16, 18, 20 anos. Eles traduzem e legendam. Penso até que se os cursos de inglês não se atualizarem acabarão por deixar de existir também. A internet será a nova escola de línguas. A conclusão de tudo isso é que dá pra ser feliz vendo e consumindo tudo o que há de melhor na cultura contemporânea sem gastar um centavo.
Quando a crise econômica estourou o consumo freou e só se falava em desaquecimento da economia. Li vários artigos prevendo uma tendência que recebeu o nome de “new austerity” em que as pessoas passariam a consumir menos e levariam uma vida mais frugal. O hiperconsumo cansa e estressa. As pessoas hoje já superaram a faze do “ter” e estão tomando consciência de que é melhor “ser”. As empresas estão cobrando isso. Querem ver no seu currículo coisas como trabalho voluntário (de graça) ao invés de cursos e mais cursos. O consumo está poluindo nosso planeta que já dá ares de que uma hora ou outra irá se revoltar. A natureza está nos cobrando uma dívida que deverá ser paga diminuindo as duas coisas que sustentam o sistema capitalista: PRODUÇÃO e CONSUMO. A nova geração de jovens (chamada genericamente de “Geração Y”) têm consciência ecológica e não são idiotas de gastarem em coisas que eles podem conseguir de graça. Quer um exemplo? Essa geração é acusada de não ler jornal impresso, mas ninguém se pergunta o porquê disso. Eles não compram jornal em bancas porque lêem as notícias direto da internet nas páginas dos principais provedores ou dos diários on-line. Talvez é por isso que a profissão de jornalista se desregulamentou e a tendência das mídias impressas é o tal “new-journalism”, conhecido também como “jornalismo literário”. O jornal não venderá mais notícia, pois a internet noticia primeiro. Quando imprimem a notícia ela já é história. Os textos jornalísticos terão de conquistar leitores a partir de seu encanto literário. A estética sobrepuja a informação.
Numa conversa esclarecedora com minha amiga e também professora, Dinamara Garcia Rodrigues, entendi o que significará tudo isso. Atenta às transformações e aos sinais emitidos pela sociedade contemporânea, Dinamara sintetizou um questionamento que deveria ser o norte e a preocupação de todos aqueles que lidam direta ou indiretamento com o consumo como empresários, investidores e especuladores: “COMO VENDER PARA UM GERAÇÃO QUE NÃO QUER COMPRAR, NÃO QUER POLUIR, NÃO QUER SER FEITA DE IDIOTA, NÃO PODE SER FACILMENTE ENGANADA E ESTÁ AOS POUCOS TOMANDO CONSCIÊNCIA DE QUE VALE MAIS A PENA SER DO QUE TER?????”
Eis a questão!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

3 comentários:

  1. Tem alguns erros de português nesta postagem. Depois de publicada não consegui achar. Se alguém encontram a palavra "trousse", desconsiderem. É "trouxe".

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  2. “COMO VENDER PARA UM GERAÇÃO QUE NÃO QUER COMPRAR, NÃO QUER POLUIR, NÃO QUER SER FEITA DE IDIOTA[...] Não quer comprar mas compra, não quer poluir mas polui, não quer ser feita de idiota mas está sempre sujeito a isso... Ainda somos estômago.

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